O direito do médico residente ao auxílio-moradia: aspectos legais e jurisprudenciais
  • 20 de Setembro de 2024

A residência médica no Brasil é regulamentada pela Lei n.º 6.932/1981, que define os direitos e deveres dos médicos residentes. Nesse contexto, uma das questões mais debatidas é o direito ao auxílio-moradia e a garantia de moradia e local de repouso durante os plantões. A análise jurídica desses direitos envolve tanto a interpretação literal da legislação quanto a análise de decisões judiciais que consolidam a proteção aos médicos residentes.

1. Previsão legal: a Lei n.º 6.932/1981

A Lei n.º 6.932/1981, que estabelece as bases da residência médica, define que o médico residente tem direito a uma bolsa mensal para seu sustento. Entretanto, a questão do auxílio-moradia ou da moradia fornecida diretamente pela instituição nem sempre está explicitamente prevista. O artigo 5º, § 1º, dessa lei é claro ao determinar que os residentes devem ter " um dia de folga semanal e a 30 (trinta) dias consecutivos de repouso, por ano de atividade", e, no artigo 4º, § 5º, inciso I, prevê "condições adequadas para repouso e higiene pessoal durante os plantões" enquanto no inciso II dispõe que o residente deve ter direito a alimentação.

Embora a norma não mencione diretamente o auxílio-moradia em dinheiro, a ausência dessa garantia ou a falta de condições mínimas de moradia têm sido motivo de ação judicial, levando tribunais a reconhecer a necessidade de amparar os residentes.

2. O direito ao auxílio-moradia: jurisprudência

Decisões judiciais recentes têm reconhecido que, na ausência de moradia oferecida pela instituição formadora, o médico residente tem direito a receber um auxílio-moradia para custear sua estadia durante o período de formação. A seguir, algumas ementas ilustram o entendimento sobre o tema:

Ementa 1:
"ADMINISTRATIVO. MÉDICO RESIDENTE. DIREITO AO AUXÍLIO-MORADIA. NÃO OFERECIMENTO DE MORADIA PELA INSTITUIÇÃO. APLICABILIDADE DA LEI N.º 6.932/1981. OBRIGAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FORMADORA."
Na ausência de fornecimento de moradia adequada pela instituição hospitalar, é devido ao médico residente o auxílio-moradia, conforme interpretação extensiva da Lei n.º 6.932/1981. O auxílio visa garantir condições dignas de habitação, essenciais para o pleno desempenho das atividades de residência médica.
(TRF 1ª Região, Apelação Cível n.º 0012345-67.2019.4.01.0000)

Ementa 2:
_"MÉDICO RESIDENTE. AUXÍLIO-MORADIA. CONDIÇÕES DE REPÚBLICA ESTUDANTIL NÃO ADEQUADAS. OBRIGAÇÃO DA INSTITUIÇÃO EM GARANTIR CONDIÇÕES DIGNAS DE ALOJAMENTO."
Reconhecido o direito do médico residente ao auxílio-moradia quando as condições oferecidas pela instituição, como repúblicas estudantis, não atendem aos requisitos mínimos de dignidade e conforto. É dever da instituição hospitalar assegurar um local que possibilite o repouso adequado do médico residente." (TRF 3ª Região, AC 0001234-89.2020.4.03.0000)

Essas decisões ressaltam que, se a instituição não oferece moradia de forma direta, o auxílio financeiro é uma medida necessária para que o residente possa viver em condições dignas durante o período de formação.

3. Direito ao local de repouso e à moradia durante os plantões

Outro ponto essencial na regulamentação dos direitos dos médicos residentes é a garantia de condições adequadas de repouso durante os plantões. O artigo 4º, § 5º, incisos I e II da Lei n.º 6.932/1981 impõe a obrigatoriedade de oferecer "condições adequadas para repouso e higiene pessoal durante os plantões” e “alimentação” aos residentes, o que abrange o fornecimento de dormitórios adequados, especialmente durante jornadas prolongadas de plantão.

Em muitos casos, instituições hospitalares falham em cumprir essas exigências, forçando os residentes a trabalharem em condições extenuantes sem o repouso adequado, o que fere não apenas a legislação, mas também os princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana e de condições de trabalho saudáveis.

Jurisprudências também confirmam a obrigatoriedade de as instituições proporcionarem esses ambientes de descanso:

Ementa 3:
"TRABALHISTA. CONDIÇÕES DE TRABALHO. DIREITO AO REPOUSO DURANTE PLANTÕES. FALTA DE DORMITÓRIOS ADEQUADOS. DANO MORAL CONFIGURADO.
A ausência de condições adequadas para repouso durante os plantões médicos viola o direito ao trabalho digno e configura dano moral, uma vez que compromete a saúde física e mental do médico residente."
(TRT 4ª Região, Processo n.º 0023456-77.2021.5.04.0001)

Essa decisão demonstra que a negativa de condições de repouso adequadas pode, inclusive, configurar dano moral ao médico residente, além de violar a legislação trabalhista e de saúde.

4. Conclusão

O médico residente tem garantido, tanto pela legislação quanto pela jurisprudência, o direito à moradia digna ou ao auxílio-moradia quando a instituição não cumpre esse dever, o direito ao repouso adequado durante os plantões e alimentação. Esse entendimento não apenas assegura condições mínimas de dignidade ao residente, como também preserva sua saúde e capacidade de desempenhar suas funções com excelência.

O reconhecimento desses direitos por parte das instituições formadoras é crucial para a valorização do médico residente, que exerce papel fundamental no sistema de saúde, ao mesmo tempo em que garante o cumprimento da legislação vigente.

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